Augusto Oliveira

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

A Lei 14.651/2023 e o Duplo Grau de Jurisdição Aduaneira

A Lei 14.651/2023 e o Duplo Grau de Jurisdição Aduaneira

O Brasil comprometeu-se em diversas frentes a conferir um grau recursal em matéria aduaneira às decisões adotadas pelas autoridades alfandegárias no país, havendo disposição expressa no Acordo de Facilitação do Comércio (AFC), na Convenção de Quioto Revisada (CQR) e no Acordo de Comércio e Cooperação Econômica entre Brasil e Estados Unidos (ATEC).

Muito embora estas estipulações contidas nos tratados internacionais tenham variado quanto ao seu alcance, não sendo mera repetição do texto de um para o outro, a ideia gestada no âmbito da comunidade internacional é que os países pudessem promover mais transparência e respeito aos cidadãos, possibilitando o exercício do direito de defesa em sua plenitude.

O avanço promovido por estes tratados obrigou o Brasil a rever a sua legislação aduaneira, principalmente no que diz respeito à aplicação da pena de perdimento de mercadorias, veículos e moedas, cuja matriz legal previa a sua aplicação em instância única sem possibilidade de recurso, previsão esta que perdurou no ordenamento desde a entrada em vigor do Decreto-lei nº 1.455, de 1976.

Nestes quase 50 anos, o mundo experimentou um crescimento exponencial de seu comércio exterior, fruto da modernização das regras de comércio internacional que promoveu a facilitação das transações, do desenvolvimento dos meios de transporte mais rápidos e com maior capacidade de carga e do desenvolvimento da tecnologia, que permitiu o cruzamento de informações e o aprimoramento da análise de riscos.

Diante deste quadro, o papel da Aduana precisava se adequar. Para tanto, o Poder Executivo analisou as alterações que necessitavam ser realizadas, fazendo com que o contido nos pactos internacionais pudesse ser traduzido pela legislação brasileira, não apenas para cumprir o que foi acordado entre os países, mas também para modernizar o seu processo administrativo de julgamento da pena de perdimento.

Indo além do que dispunham os Tratados, entendeu-se que não bastava apenas criar uma instância recursal, mas alterar pontos da legislação que não mais atendiam aos interesses dos cidadãos nem da Administração Aduaneira, uma vez que a demora na análise dos processos administrativos muitas vezes levava à criação de estoques de mercadorias, gerando custos e aumentando o risco de sua deterioração.

Com isso, a proposta encaminhada ao Congresso Nacional, que deu origem à Lei nº 14.651/2023, promoveu profundas alterações no Decreto-lei nº 1.455/1976, resumidamente apresentadas na tabela a seguir.

aduaneiro , Duplo Grau Aduaneiro: Regulamentação da Lei 14.651/2023

Tabela 1: Alterações do DL 1455/1976. Fonte: Elaborado pelo autor.
Tabela 1: Alterações do DL 1455/1976. Fonte: Elaborado pelo autor.

A aplicação da pena de perdimento deixou de ser competência do chefe da unidade, passando para o próprio Auditor-Fiscal que lavrou o auto de infração, de acordo com a nova redação dada ao art. 27, do Decreto-lei nº 1455, de 1976, reconhecendo a autoridade aduaneira como competente para tal fim, ficando as mercadorias disponíveis para destinação após a apreciação da impugnação em primeira instância, ou a partir da revelia, ressalvados os casos de destinação antecipada, já existentes anteriormente.

A ciência do auto de infração também se harmonizou com as hipóteses previstas no Decreto nº 70.235/1972, que rege o processo administrativo de determinação e exigência dos créditos tributários da União, conforme art. 27-A, § 1º, do Decreto-lei nº 1.455/1976, uma vez que as possibilidades descritas anteriormente se restringiam à ciência pessoal ou por edital, o que não se coadunava com o princípio da ampla defesa.

No modelo anterior, a impugnação não possuía natureza de recurso, mas defesa prévia, haja vista que apresentada antes da decisão que aplicava a penalidade. A autoridade julgadora, por sua vez, atuava em instância única, não havendo possibilidade de recurso para reapreciação da matéria.

Com a mudança, foram criadas duas instâncias de julgamento, descritas nos artigos 27-C e 27-D, cuja regulamentação ficou a cargo do Ministro da Fazenda. Esta alteração, a rigor, era a única exigida pelos Tratados Internacionais.

Questão intrincada e que pode suscitar alguns debates é a que diz respeito às regras de transição de um modelo para o outro, haja vista que há ainda processos em tramitação cuja penalidade proposta deveria se dar em instância única. A chave para este caso está no art. 4º, da Lei nº 14.651/2023, mas que pela complexidade e alcance será abordada em outro artigo nos próximos dias.

As duas instâncias recursais estarão inseridas em uma estrutura administrativa criada especificamente para este fim, com julgadores independentes das autoridades aduaneiras e jurisdição nacional, afastando definitivamente o julgador do aplicador da penalidade, conferindo maior transparência do processo decisório e homogeneidade das decisões.

Como se vê, a publicação da Lei nº 14.651/2023 torna o julgamento do processo administrativo de aplicação da pena de perdimento de mercadorias, veículos e moeda mais moderno e alinhado com as melhores práticas internacionais, estando o novo rito de acordo com as estipulações existentes nos Tratados Internacionais.

Também deverão ser publicadas as Portarias do Ministro da Fazenda e do Secretário da Receita Federal, que regulamentarão o rito processual, conforme descrito na Lei nº 14.651/2023. Tão logo haja a publicação, voltaremos ao tema para explicitar os pontos específicos de ambas as normas administrativas.

Compartilhe o post:

Leia também:

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Categorias

e-book

Conheça a logística do comércio exterior e as dificuldades que são encontradas por exportadores e importadores brasileiros em razão das deficiências do país.

Inscreva-se

Receba nossos e-mails. Você pode cancelar sua inscrição a qualquer momento.

Ao informar seus dados, você concorda com a Política de Privacidade.

plugins premium WordPress