Recentemente trouxemos inquietações sobre o anacronismo das normas aduaneiras no comércio exterior do Brasil, em artigo o qual evidencia a necessidade de elaboração de um Código Aduaneiro Nacional, levando em consideração que o Decreto-lei nº 37 de 1966, que dispõe sobre o Imposto de Importação, reorganiza os serviços aduaneiros e dá outras providências, está defasado no tempo.
As nossas normas aduaneiras caracterizam-se por serem, em sua grande maioria, de natureza infralegal, deixando importadores, exportadores, depositários, transportadores e outros intervenientes do comércio internacional à mercê de regras estabelecidas muitas das vezes de forma casuística ou em desacordo com as leis de onde deveriam derivar.
Não é sem razão que recebemos com alegria o Projeto de Lei nº 508, de 2024, de autoria do Senador Renan Calheiros, no qual se pretende sistematizar a legislação aduaneira brasileira e que passaremos a analisar. Comecemos com o que consta na própria justificação do projeto:
A regulação do comércio exterior no Brasil está marcada por grande número de leis, nem sempre facilmente identificáveis, o que dificulta a atuação de importadores, exportadores e outros operadores comerciais. A intenção de consolidar as principais regras sobre o tema em um único diploma legislativo busca reduzir essas dificuldades práticas, que se manifestam também em perdas econômicas, diante do aumento dos custos operacionais das transações comerciais.
Como se vê, a intenção do projeto é por demais promissora, pois reconhece a enorme dificuldade que possuem os operadores do comércio exterior brasileiro de realizarem com segurança suas transações econômicas de compra, venda ou prestação de serviços, sem que corram o risco de incorrer em uma das muitas infrações que permeiam o comércio exterior brasileiro.
Nesse sentido, nota-se no país uma necessidade muito grande de regular condutas e estabelecer penalidades para situações que não implicam necessariamente em prejuízo aos cofres públicos, não afetam o controle aduaneiro, nem caracterizam o elemento principal de justificação da aplicação da penalidade mais severa do Direito Aduaneiro, a pena de perdimento, que é o conhecido dano ao Erário.
ESTRUTURA DO PL 508/2024 – COMÉRCIO EXTERIOR
Analisando o PL 508/2024, observa-se que ele traz em sua ementa que “consolida a legislação federal sobre o comércio exterior e dispõe sobre os Impostos de Importação e Exportação”, estando a sua estrutura apresentada em 8 títulos, com um total de 252 artigos, conforme sumarizado no quadro a seguir.
Quadro 1: Sumário do PL 508/2024
Observando o projeto mais de perto, nota-se que há uma aparente compilação de normas já existentes, em um trabalho de mera repetição dos dispositivos legais e administrativos hoje existentes, não sendo capaz de minimamente atender o objetivo que se espera de uma lei aduaneira moderna e que venha efetivamente promover a necessária sistematização e simplificação do comércio exterior.
Com efeito, as disposições sobre os tributos e sobre o controle aduaneiro pouco ou nada inovam em relação ao que hoje existe, mesmo porque a maior parte dos temas abordados possui fundamento em tratados internacionais, negociados principalmente no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou da Organização Mundial de Aduanas (OMA).
Causa ainda mais preocupação, o fato de o PL 508/2024 delegar ao Ministro da Fazenda uma série de poderes para legislar sobre temas que deveriam estar no texto legal justamente para se fazer o devido equilíbrio entre as atividades econômicas e a atividade fiscal, uma vez que só a lei pode estabelecer o que pode ou não ser feito.
Dito de outra forma, deixar à disposição do Poder Executivo a competência para definir questões de natureza legal, faz com que a Administração Aduaneira tenha o poder de restringir a atividade econômica, dificultando – e muitas vezes impedindo – que operações perfeitamente legais esbarrem em limitações de natureza administrativa.
Que fique claro que não se está a defender que o controle aduaneiro seja fragilizado, muito pelo contrário. Espero que o Poder Legislativo aprove as normas que regulam as atividades relacionadas ao comércio exterior, garantindo maior amplitude e celeridade nos fluxos das transações econômicas internacionais, levando o país à condição que lhe é devida.
O Brasil figura na nona posição do ranking das maiores economias do mundo[1], mas tem baixa participação nas exportações mundiais, com pouco mais de 1% do volume transacionado no mundo em 2023, estando apenas na 26ª posição entre todos os países[2], o que demonstra que há espaço para o avanço no mercado mundial, sendo mandatório que tenhamos regras mais simples e atuais que facilitem esse crescimento.
O Brasil tem potencial para assumir papel de destaque no comércio internacional, gerando aumento de riquezas para o país por meio do incremento de produtividade de suas empresas, mas esbarra em algumas dificuldades associadas ao “custo Brasil”, dentre elas a insistência em manter uma legislação anacrônica e sem sistematização.
O “peso” da legislação aduaneira, o qual relatei no início deste trabalho, deve reduzir por meio de uma reformulação total do sistema normativo aduaneiro, baseado principalmente em leis que as Casas Legislativas submetam ao crivo e que permitam ao país sair do seu atual nível de participação mundial, que está muito aquém do merecido.
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[1] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-12/brasil-salta-duas-posicoes-e-se-torna-nona-economia-do-mundo-em-2023
[2] Disponível em: https://www.usnews.com/news/best-countries/articles/the-top-10-economies-in-the-world